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3/11/15

Gestão como doença social

Gerenciar a si mesmo para atingir alto desempenho é uma demonstração de autonomia recompensada pela promessa de sucesso, felicidade e realização pessoal. Essa suposição provém de uma espécie de "equação mágica" (p. 82) que obscurece a impossibilidade de sermos todos excelentes. Luta-se pelos lugares como se todos pudessem ser o número um. Esquece-se que a própria etimologia da palavra excelência comporta intrinsecamente a exclusão daqueles que não atingem determinados requisitos. O culto da qualidade enquanto excelência estimula, portanto, a competição generalizada e o individualismo.

A doença social mencionada no título refere-se aos paradoxos criados por esse formato de gestão e ao acobertamento da violência simbólica pelas novas regras do trabalho flexível. Os problemas sociais e os conflitos são transferidos para o plano individual e são tratados como distúrbios pessoais. Por outro lado, o fracasso abre uma ferida narcísica, estigmatiza o perdedor como um peso social, pois já não é permitido ser limitado. O método de quantificação da qualidade opera pela desqualificação do que é humano, pela ameaça de avaliação negativa, culpabilizando os desempregados, os precarizados e os assalariados por sua insuficiência e inaptidão para alcançar metas inacessíveis.

Os paradoxos propostos pela gestão hipermoderna podem ser considerados, por si, fatores de adoecimento físico ou psíquico à medida que a pressão exercida pelas exigências empresariais é perturbadora e estimula a construção de uma "subjetividade fluida" (p. 187). Gaulejac afirma, entretanto, que a adesão total aos princípios e às regras das empresas ocorre apenas "de fachada" (p. 135). Em grande parte dos casos, os indivíduos se fragmentam internamente ou mergulham na hiperatividade para não pensarem na dinâmica de uma situação da qual não têm como sair. A ação contínua é fortemente estimulada, pois a estagnação representa fracasso. Mas quando o "sentido da ação se resume em ser campeão" (p. 169), advém daí uma crise simbólica que retira o significado da própria vida.

Não é à toa que na Saúde Pública anuncia-se uma epidemia de distúrbios psíquicos. O discurso do gerenciamento pela qualidade é circular e enlouquecedor em suas inúmeras ambiguidades. A lógica qualitativa do discurso choca-se com a lógica quantitativa da prática. Enaltece-se o valor humano e busca-se o lucro máximo a qualquer custo. Pede-se "autonomia em um mundo hipercoercitivo" (p. 117), criatividade "em um mundo hiper-racional" (p. 117), compromisso intenso com os projetos da empresa e flexibilidade para desligar-se a qualquer instante. O individuo é livre para, enfim, seguir um programa imposto de qualidade máxima.

Diversos distúrbios e enfermidades atingem os desempregados e aqueles que permanecem ativos no mercado profissional, porém submetidos a alto nível de estresse. O estresse, todavia, não é considerado um problema; é antes uma decorrência "natural" (p. 221) da busca legítima por um lugar de excelência e autorrealização. Cabe a cada um se adaptar e gerenciar seu nível de estresse, resistindo à vulnerabilidade psíquica ocasionada pelas condições de trabalho. Como se sabe, as doenças psicossomáticas decorrentes do trabalho são de difícil comprovação. A gestão de si e o autocuidado com a saúde física e psíquica apresentam-se, então, como solução para um problema que a própria atividade de gestão cria. Novamente é o ideal da qualidade de vida, também medida por índices, que alerta o quão se pode ser mais saudável: só depende de cada um aplicar o método milagroso da gestão racional em si mesmo.

Embora Gaulejac siga uma linha de crítica contundente ao longo do livro, repete mais de uma vez que a "gestão não é um mal em si" (p. 29, p. 144). Conclama a substituição da "gestão de recursos humanos" por uma "gestão humana de recursos" (p. 145) de forma a construir "outro mundo possível" (p. 299), para o qual a Sociologia poderia contribuir. Ao final, entretanto, fica a impressão de que o autor foi, enfim, também ele contaminado pelo vírus da qualidade, sucumbindo ao mito da terra sem males, sem conflitos, sem contradições, sem ideologias, onde pudesse haver uma gestão que não fosse permeada por técnicas de dominação e exercício do poder. Apesar destas considerações, fica aqui a recomendação de leitura, certamente inspiradora tanto para a Sociologia do Trabalho, quanto para a Sociologia da Saúde.

Palavras de Maria Regina Cariello Moraes na resenha que fez do livro Gestão como Doença Social, de Vincent de Gaulejac, para a revista brasileira de saúde ocupacional, em 2012.

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